Contra o desencanto
ROBERTO MANGABEIRA UNGER QUALQUER brasileiro sabe que os brasileiros estão desencantados com a política. Não é sentimento exclusivo nosso. É hoje regra no mundo. Esse desencanto deita raiz em descompasso entre o que nossas idéias nos ensinam a exigir da política e a maneira como as mudanças de fato ocorrem. Nossas idéias mais prestigiosas a respeito da democracia levam-nos a ver na política democrática o instrumento privilegiado da transformação social. Só que na história moderna acontece diferente. As transformações costumam nascer por meio do fórceps das crises: guerras e colapsos econômicos. No Brasil, escassearam as guerras, mas não os colapsos, que ofereceram oportunidades para as reorientações do país. Espera-se da política o que ela só costuma providenciar quando tem por aliado o trauma. A solução, porém, não é ficar parado e frustrado, aguardando a próxima calamidade. É começar a reconstruir nossas instituições, práticas e idéias para que a mudança dependa menos da ruína. Tudo isso pode parecer muito teórico. Tem, porém, sentido direto para o Brasil. A Dinamarca, onde também há desencanto com a política, está com a vida arrumada. Pode dar-se ao luxo de esperar a próxima crise. Nós estamos com a vida desarrumada. Não nos podemos dar a esse luxo. Reduzido a seus termos mais simples, a solução é aproveitar o que temos. E o que temos de sobra é o recurso mais importante: vitalidade. O grande projeto nacional é criar condições para surgirem milhões de projetos, não do Estado brasileiro, mas dos brasileiros, na vida econômica, social e cultural do país. A ideologia conservadora ou neoliberal usa essa vocabulário de libertar as forças de baixo. Propõe, porém, formulário institucional que, em sociedade tão desigual e dividida como a nossa, deixa a maioria a ver navios. O caminho é usar os poderes do Estado para produzir democratização radical e irreversível das oportunidades para trabalhar e produzir, o que pressupõe assegurar aos interesses de trabalhadores e de produtores primazia sobres os interesses de rentistas. É criar as instituições de democracia mais mudancista e participativa do que as democracias refesteladas do Atlântico norte. E é construir ensino experimentalista e analítico que transforme o improviso inculto dos brasileiros em flexibilidade preparada. Ao tornar para sempre a mudança menos dependente da crise, usaremos a imaginação para matar o desencanto. www.robertounger.net --------------------------------------------------------------------------------ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.