Projeto beneficia "empresa de uma só pessoa"

14 Fev 2007
A Receita não poderá mais, como acontece hoje, desfazer o contrato entre uma pessoa jurídica formada por um profissional -que, na avaliação dos auditores fiscais, desempenha funções típicas de um assalariado- e a empresa para a qual presta serviços.Pela regra, aprovada ontem pelo Congresso, o vínculo trabalhista, nesses casos, terá de ser estabelecido antes por um juiz, o que tornará mais lenta a ação da fiscalização.Em sua terceira vitória legislativa contra o fisco nos últimos dois anos, o lobby pela regularização dos profissionais que prestam serviços na condição de pessoa jurídica acabou sendo o protagonista da votação final da Super-Receita.Por 304 votos a 146, os deputados ratificaram o dispositivo incluído no texto pelo Senado que, na prática, tira do fisco o poder de intervir quando considerar que um contrato de prestação de serviços encobre uma relação trabalhista.Para a Receita, a contratação de profissionais liberais -médicos, contadores, jornalistas e advogados, por exemplo- que constituem as chamadas "empresas de uma só pessoa" se tornou uma espécie de reforma trabalhista disfarçada, com perdas para a arrecadação.Dependendo da faixa de renda, a tributação sobre uma pessoa jurídica é inferior à incidente sobre um trabalhador com registro em carteira. Por isso, especialmente nos cargos que exigem maior qualificação, a constituição de pessoa jurídica (PJ) pode ser uma alternativa vantajosa às exigências da legislação trabalhista.Os defensores da medida -caso da Confederação Nacional de Serviços e da Ordem dos Advogados do Brasil- dizem que é preciso evitar abusos dos auditores, cujo poder não pode se sobrepor ao do Judiciário. Afirmam que os contratos de prestação de serviço são livres e voluntários entre as partes.Aponta-se ainda que a quantidade de encargos sobre a folha de salários onera as empresas e desestimula a contratação com carteira assinada.Tema mais debatido do dia, a emenda rachou a base aliada ao Planalto, a ponto de o líder do governo, Beto Albuquerque (PSB-RS), ter de liberar o voto de seus comandados durante a tentativa de derrubar a proposta -que recebeu apoio quase unânime de siglas como PTB, PMDB, PP e PR, além dos oposicionistas PSDB e PFL.Os partidos mais à esquerda repetiram a tese de sindicalistas e das corporações ligadas ao fisco, segundo a qual o texto poderá congestionar a Justiça do Trabalho e dificultar o combate à sonegação.Por isso, segundo os governistas, a emenda deve ser vetada. "Vou propor o veto [à emenda]", afirmou o ministro Guido Mantega (Fazenda).Nesse caso, existe a hipótese da edição de uma medida provisória para disciplinar, em outros termos, a ação da Super-Receita em relação aos prestadores de serviços.Para os defensores da emenda, não existe risco para a fiscalização, que continuará sendo feita pelos auditores fiscais e do trabalho. Por esse raciocínio, o combate ao sonegador conta com as penas previstas em lei e não pode justificar a restrição de direitos dos demais contribuintes.A disputa entre o fisco e o lobby empresarial começou no início de 2005, quando o governo tentou elevar a tributação sobre prestadores de serviços e foi derrotado no Congresso.Na época, a Receita argumentou que uma pessoa jurídica com renda mensal de R$ 50 mil pagava 11,33% aos cofres públicos, com IR, CSLL, PIS e Cofins. Já um assalariado de mesma renda arcaria com um IR em torno de 26%.Ainda naquele ano, os parlamentares aprovaram um artigo, proposto por empresas de comunicação, que explicitou o entendimento de que profissionais liberais podem ser tributados como pessoas jurídicas mesmo que não sejam empregadores. Surpreendentemente, Lula contrariou a Receita e sancionou o texto. (GP)