Estudo mostra como é difícil realizar reformas

21 Fev 2007
Estudo mostra como é difícil realizar reformas The Economist21/02/2007Indique Imprimir Digg del.icio.us Tamanho da Fonte: a- A+ Ninguém gosta de perder privilégios, especialmente se rendem algum dinheiro. Assim, não deveria causar surpresa os taxistas italianos protestarem contra propostas de desregulamentação da profissão, funcionários públicos franceses manifestarem-se contra a ameaça de eliminação de postos de trabalho ou agricultores fazerem de tudo para manter subsídios e tarifas. Tampouco deveria chocar alguém que políticos cedam a essas pressões e desistam de reformas econômicas, mesmo convencidos de seus méritos. Em seu terceiro relatório anual "Going for Growth" (Em Busca de Crescimento), publicado em 13 de fevereiro, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) empenha-se em explicar por que reformas enfrentam resistência (uma questão relativamente simples) e como essa oposição pode ser vencida (algo diabolicamente difícil). O estudo examina reformas "estruturais" - políticas que, por exemplo, facilitam a entrada de produtos, reduzem custos de demissões e contratações, ou relaxam barreiras à participação de capital estrangeiro. Melhores políticas devem contribuir para estreitar a distância entre os países mais ricos da OCDE (em PIB per capita) e os demais. Esses relatórios habitualmente reservam a maior parte de suas preocupações e críticas aos membros europeus da OCDE. Mas, neste momento, os europeus podem se se sentir satisfeitos. A economia da zona do euro cresceu 3,3%, no quarto trimestre de 2006, ante o ano anterior. E, o que é ainda melhor, parte da melhoria tem razões estruturais. Os mercados estão mais livres, milhões de empregos foram criados e o desemprego caiu em torno de um ponto percentual. Mas a retomada do crescimento é, provavelmente, cíclica. Como informa no estudo o economista-chefe da OCDE, Jean-Philippe Cotis, uma recuperação vigorosa tem "conseqüências ambíguas", porque torna as reformas "mais fáceis de implementar e, aparentemente, menos necessárias". É verdade. A conclusão mais desanimadora do estudo é ser necessário o impacto de uma crise para que reformas tenham chance de ocorrer. A conclusão é amparada pela experiência do Reino Unido no fim da década de 70, da Holanda e Nova Zelândia nos anos 80 e da Itália no início dos 90. Parece mais provável que governos afrouxem seus mercados de produtos e de trabalho quando o PIB está mais de 4% abaixo de seu potencial. Equipes econômicas governamentais poderão julgar que essa conclusão é de pouca valia: atrair catástrofes é uma maneira estranha de estimular prosperidade. Mas serve, efetivamente, como advertência útil. Épocas de desespero tornam reformas inevitáveis. Por isso, é melhor realizá-las durante períodos menos dolorosos. Uma das razões é que um Tesouro bem abastecido pode ajudar a compensar os perdedores. Segundo o mesmo raciocínio, é mais difícil realizar reformas em tempos de aperto no orçamento. Na década de 80, por exemplo, a Dinamarca e a Irlanda puseram suas finanças públicas em ordem, antes de liberalizar seus mercados e reduzir a cunha tributária entre o que é pago pelos empregadores e o que os trabalhadores levam para casa. A política monetária também pode "azeitar engrenagens". Por exemplo, cortar tarifas ou abrir setores a novos estreantes deveria, em tese, incrementar a oferta e reduzir pressões inflacionárias. Um banco central balizado por metas de inflação poderia abrandar a política monetária, impulsionando a demanda. Mas isso é mais fácil para países que têm seus próprios bancos centrais, como Reino Unido e Suécia, do que para membros da união monetária européia. Na zona do euro, apenas a virtude coletiva é recompensada. Um país membro que implemente reformas individualmente não tem grande peso nas deliberações do Banco Central Europeu (BCE). Mas se, por um lado, a união monetária dificulta reformas, também as tornam mais necessárias. Quando juros e câmbio não estão livres para variar em reação a abalos econômicos, os preços e salários precisam ter essa liberdade. Infelizmente, a OCDE registra algumas evidências de que a criação do euro pode ter tornado mais lenta a implementação de reformas. Em vista dos obstáculos, os reformadores raramente atacam tudo ao mesmo tempo. Por onde começam? Geralmente no exterior. Se, por exemplo, estrangeiros liberalizam seu setor de telecomunicações, reduzindo custos em suas companhias, empresas domésticas passam a cobrar a mesma liberdade. Acordos comerciais e participação na União Européia também provocaram reformas domésticas: é sempre conveniente atribuir a culpa a estrangeiros. Internamente, os reformadores normalmente seguem três passos. Os mercados financeiros são liberalizados antes dos mercados de produtos e serviços, que, por sua vez, tendem a ser liberalizados antes dos mercado de trabalho. Isso faz sentido. A liberalização financeira facilita a reforma no mercado de trabalho: ao reduzir o custo do capital, a liberalização financeira reduz preços e, portanto, eleva os salários reais. Analogamente, mercados competitivos de produtos estreitam as margens de lucro, reduzem preços e pressionam para cima os salários reais. Tudo isso facilita a implementação de reformas no mercado de trabalho, diz Cotis. Depois que os mercados de produtos são liberalizados e as empresas sentem-se pressionadas a baixar custos com mão-de-obra. A OCDE está preocupada com o fato de alguns países membros terem empacado no passo 2,5 dessa seqüência. Eles promoveram reformas "abrangentes" em seus mercados de produtos, mas, no mercado de trabalho foram "hesitantes" e "seletivos". Ao levantar restrições a contratos temporários e ao funcionamento de agências de emprego, vários governos europeus facilitaram a contratação de pessoas, principalmente jovens e mulheres, antes marginalizados. Mas os legisladores não ousaram demover trabalhadores que continuam entrincheirados em empregos extremamente protegidos. Por isso, eles acabaram ficando com um mercado de trabalho dividido entre os precários e os seguros, que resistem às reformas. A OCDE é um reduto de tecnocratas e defensora de políticas sensatas do ponto de vista econômico, embora nem sempre praticáveis. Mas uma leitura atenta desse relatório proporcionará ao reformador oportunista dicas e truques. Trata-se de um manual da sutil arte de tornar possível o que é necessário.(Tradução de Sergio Blum)