Lula nega fatia da receita a Estados, mas acena com alívio para dívidas
Com concessões pontuais, presidente consegue dividir governadores e atenuar pressão por partilha de tributos Sérgio Gobetti e Sônia Filgueiras, BRASÍLIA Em reunião ontem na Granja do Torto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua equipe negaram a principal reivindicação dos governadores, que era ganhar uma fatia adicional do bolo tributário. Mas conseguiram dividi-los com a promessa de concessões pontuais que atenuam a situação de endividamento e estrangulamento financeiro dos Estados. A maior parte das medidas ainda depende de detalhamento, como a que permitirá aos Estados negociar seus créditos tributários e trocar seus débitos com a União por dívidas com bancos privados. No auge de sua mobilização, os governadores chegaram a apresentar uma pauta de reivindicações que custaria pelo menos R$ 30 bilhões aos cofres federais. Ontem deixaram a Granja do Torto sem nenhum centavo no bolso - apenas o aceno de uma possível desoneração de R$ 1,3 bilhão no PIS/Cofins para as empresas estaduais de saneamento usarem em investimentos. “O caixa da União não é nenhuma maravilha. Não nos dispusemos a fazer mais transferências de recursos aos Estados, mas nos colocamos na perspectiva de liberar os entraves aos investimentos dos Estados”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, depois de encerrada a parte principal da reunião.Acompanhado do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (PFL), Mantega indicou que o governo federal só cederá a partilha das contribuições, como a CPMF, se os governadores também aceitarem avançar na aprovação da reforma tributária. “No bojo de uma reforma tributária ampla, o governo federal está disposto a compartilhar as contribuições”, disse o ministro, lembrando que, se a proposta de criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) for aprovada, algumas contribuições serão extintas, como o PIS/Cofins. Além de acenar com a chamada “securitização” das dívidas dos Estados com a União, o Ministério da Fazenda também se dispôs a mudar a legislação para agilizar a cobrança dos impostos que o setor privado deve aos Estados. Além disso, o governo defende a possibilidade de os Estados leiloarem esses créditos. De acordo com os técnicos do governo, a Secretaria do Tesouro Nacional poderia até mesmo lançar títulos (certificados financeiros) no mercado para tentar estimular os empresários a usá-los na aquisição de créditos tributários estaduais. Nas mãos dos governos estaduais, por sua vez, os títulos federais poderiam ser utilizados para amortizar parte da dívida com a União. Ou seja, a triangulação seria uma forma indireta de o governo renegociar essas dívidas sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O Ministério da Fazenda também se prontificou ontem a apoiar a aprovação, pelo Congresso, de uma emenda constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) que limita os gastos anuais dos Estados com pagamento de precatórios. Atualmente, o estoque de precatórios estaduais e municipais já ultrapassa os R$ 61 bilhões. Só em São Paulo, eles somam R$ 23 bilhões - R$ 12,2 bilhões no Estado e R$ 10,9 bilhões nos municípios.As propostas apresentadas pelo ministro da Fazenda geraram, a princípio, uma reação contrária de alguns governadores, como o tucano Aécio Neves, que tem sido um dos principais interlocutores da reivindicação de partilha da CPMF. “A proposta é tímida demais”, reclamou Aécio. Mantega retrucou dizendo que a proposta poderia ser “modesta”, mas não tímida. Em seguida, uma série de outros governadores se inscreveram para amenizar o tom das críticas ao governo, começando pelo pefelista Arruda, que fez uma avaliação positiva do encontro e da perspectiva de aprovação da reforma tributária. “Eu diria que o ministro Mantega não é tão duro quanto parece”, brincou o governador.Além das propostas feitas pela equipe econômica, Lula acenou ao final com o atendimento de mais duas reivindicações dos Estados: a liberação das empresas de saneamento de pagarem PIS/Cofins e a devolução dos recursos depositados em caução pelos Estados durante a renegociação das dívidas externas, no início da década de 90. Até a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), deixou a reunião satisfeita. “O ambiente foi espetacular. Inauguramos uma nova etapa de relacionamento”, disse a tucana, ponderando, contudo, que “o presidente sentou em cima da repartição das contribuições”. FRASESGuido MantegaMinistro da Fazenda“O caixa da União não é nenhuma maravilha. Não nos dispusemos a fazer mais transferências de recursos, mas nos colocamos na perspectiva de liberar os entraves aos investimentos dos Estados”Aécio Neves (PSDB)Governador de Minas“A proposta é tímida demais”Yeda Crusius (PSDB)Governadora do RS“Inauguramos uma nova etapa de relacionamento”NA MESA DE NEGOCIAÇÕESRenegociação das dívidas - O governo concordou em abrir espaço para que Estados troquem dívidas com União por dívidas com o sistema financeiro, com juros mais baixos - processo chamado de securitizaçãoLeilão de créditos - O governo proporá mudanças legais que permitam aos Estados leiloar créditos da dívida ativa no setor privado. Parte desses créditos poderia ser trocada por títulos (certificados financeiros) do Tesouro adquiridos por empresários Precatórios - Planalto deu sinal verde para aprovação da emenda que limita gastos estaduais com precatórios. Mas não concorda em descontar os gastos da base de cálculo dos pagamentos da dívida dos Estados com a UniãoEducação - Foi acertado com os governadores os critérios de rateio dos recursos do Fundeb, constituído por 20% das receitas de Estados e municípios. Uma nova reunião, entretanto, deverá ser marcada para discutir em detalhes a questão educacionalSegurança - Governo federal e governadores firmaram um acordo no sentido de não contingenciar os recursos orçamentários que forem destinados ainvestimentos na área de segurança públicaReforma tributária - Os Estados e a União deixaram acertado que, antes de as mudanças no ICMS serem implementadas, eles adotarão um sistema de nota fiscal eletrônica e farão uma integração de suas basesde dados