Fazenda quer executar dívida sem passar pela Justiça

09 Mar 2007
Dívida ativa é de R$ 400 bilhões e no ano passado o governo só conseguiu recuperar 2% do valor total. Daniel Pereira Diante da dificuldade de recuperar R$ 400 bilhões devidos à União, o governo quer aprovar projeto de lei que lhe garanta o direito de executar devedores de tributos sem autorização prévia da Justiça. A idéia é conceder ao Fisco poder para, por exemplo, penhorar conta corrente de pessoas físicas e o faturamento de empresas para fazer o acerto de contas. As duas medidas são adotadas depois de tentativas fracassadas de acordo e de recebimento dos débitos. Dependem de autorização judicial. E emperram nos escaninhos dos tribunais, segundo a Fazenda. O chamado projeto de execução fiscal administrativa foi debatido em seminário, na semana passada, entre representantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e de procuradorias de Estados e municípios. Está entre as prioridades da equipe econômica. "Temos a percepção de que o modelo de cobrança judicial vem dando sinais de exaustão", diz Agostinho do Nascimento Netto, procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional. Netto sustenta o discurso em números. Declara que a dívida ativa da União é de R$ 401 bilhões. No ano passado, a PGFN só recuperou R$ 9,6 bilhões -2,3% do total. Em 2005, 2004 e 2003, foram, respectivamente, R$ 8,8 bilhões, R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões. Segundo o procurador, o modelo que permite a execução fiscal sem autorização prévia da Justiça já é adotado em outros países, como Portugal, onde a arrecadação teria aumentado 200% depois de sua implantação. Netto ressalta que o contribuinte continuará tendo o direito de recorrer à Justiça para impedir a execução. Só que, ao contrário do que ocorre hoje, depois de adotada a penhora. "A última palavra será sempre do Judiciário." O presidente da Ajufe, Walter Nunes da Silva Júnior, afirma que a entidade ainda não tem posição fechada sobre o tema. Pessoalmente, Nunes é favorável à proposta de execução fiscal administrativa. Como o diabo está nos detalhes, promete dedicar atenção especial à "normatização" do modelo. Ele defende que eventual penhora on-line de conta corrente pelo Fisco seja submetida de imediato à Justiça, a fim de ser confirmada ou derrubada em 24 horas. "A penhora financeira administrativa pode inviabilizar a sobrevivência de uma empresa ou de uma pessoa física", declara Nunes. Pelo mesmo motivo, a salvaguarda teria de ser prevista também no caso de penhora de faturamento. O presidente da Ajufe engrossa o coro segundo o qual o modelo atual é inadequado. Abre brecha, acrescenta, para a "litigiosidade". Ou seja, disputas e mais disputas nos tribunais. Segundo Nunes, houve apresentação de "embargos à execução" -recurso proposto quando se discorda da dívida- em 5% a 10% do total de execuções fiscais na Justiça. Nos demais casos, os processos emperram porque o Fisco e os juízes não conseguem encontrar os devedores ou os bens para saldar as dívidas. "A questão só deve chegar ao Judiciário se o devedor discordar do procedimento e do valor adotado pelo Fisco", diz Nunes. "A execução fiscal administrativa eliminaria o estoque de ações. É a racionalização do sistema." De acordo com Netto, a Fazenda pretende criar uma "estrutura adequada" para descobrir bens de devedores. Além disso, continuará a privilegiar a cobrança de peixes graúdos, cujos débitos superam R$ 10 milhões. Diferentemente de boa parte dos colegas, Netto diz que a maioria do estoque da dívida ativa da União não é de "crédito pobre", pois surgiu há menos de cinco anos. A recuperação é possível. Para o procurador, tem menos chance de ocorrer no modelo atual, porque os juízes receiam aceitar pedidos de penhora on-line de conta corrente. Entre outros motivos, devido ao risco de bloqueio de conta-salário ou da totalidade do capital das empresas. "A penhora é um instrumento poderoso, mas enfrenta resistência na Justiça", declara Netto, em defesa da execução na esfera administrativa.