Qual o destino da Emenda 3?

27 Mar 2007
Após muitas pressões, Lula vetou a Emenda 3, de seguinte teor: No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial. Risco do aumento do trabalho escravo e a própria ameaça de que os agentes fiscais ficariam amordaçados em face de fraudes à legislação trabalhista foram argumentos infundados mas decisivos. Por outro lado, segundo as razões oficiais do veto, não seria possível condicionar a ocorrência de fato gerador à separação de poderes. O veto por si não resolveu o impasse. Serviu para denunciar a grave situação de nossas relações trabalhistas e a necessidade urgente de reforma. O dispositivo vetado vinculava tão somente os novos auditores da Receita Federal do Brasil -- antigos auditores fiscais da Previdência Social e da Receita Federal. Por outro lado, o pressuposto era a prática de atos regulares e celebração de negócios jurídicos despidos de vícios ou ilegalidades, tudo com amparo na ordem jurídica, pena de autuação imediata. Por fim, eventual desconsideração de determinado ato, negócio ou pessoa jurídica, poderia implicar reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo de emprego, daí a reserva do texto vetado. Como se vê, aqueles argumentos para o veto eram infundados. O dispositivo não suprimia privilégios ou prerrogativas nem alterava atribuições dos fiscais, bem como não criava direito novo. Aquele dispositivo limitava-se tão somente a declarar regra já existente no sistema, em nada inovando, com amparo na Constituição e no Código Civil. Como é cediço, fraude não se presume e deve ser declarada judicialmente. O artigo 114 da Constituição da República era o fundamento da exigência daquele dispositivo, competindo à Justiça do Trabalho, não aos auditores da Receita Federal do Brasil, decidir conflito envolvendo relação de trabalho. Por sua vez, segundo o artigo 50, do Código Civil, cabe ao juiz decidir em caso de abuso de personalidade jurídica, não ao auditor fiscal. Os auditores fiscais do trabalho, embora excluídos da Super-Receita, também se mobilizaram contra a Emenda. Certamente se viessem a integrar a Super-Receita, haveria motivo de temor, pois, além de responsáveis pela fiscalização do FGTS, controlam as normas de proteção e o registro dos empregados. Se este for escamoteado, deverão valer-se do artigo 9º. da CLT para impedir sejam solapados seu direitos, com destaque para o registro, paradigma dos direitos do empregado e passaporte de sua inclusão social e nesse ponto haveria incompatibilidade com a emenda vetada. Entretanto, contrariamente à lógica da fiscalização da Receita Federal do Brasil, a função acometida à Inspeção do Trabalho não se esgota com punição, mediante lavratura de autos de infração. Mais do que punir, compete aos inspetores do trabalho a tarefa de orientar os interlocutores sociais em relação ao cumprimento da legislação protetora, sem prejuízo da pronta autuação, no exercício de seu poder de polícia especial. Assim, a inspeção do trabalho não está somente diante de uma lógica da proteção e do controle da aplicação das regras tutelares, mas também do novo papel de conciliação e pacificação social, contrária à visão meramente repressiva e arrecadadora da Auditoria da Receita Federal do Brasil. Se os auditores fiscais do trabalho tivessem de aguardar decisão judicial, na forma do dispositivo vetado, bastaria aos empregadores, no lugar de empregados, contratar falsos cooperados, pessoas jurídicas fictícias ou estagiários aparentes, sem qualquer risco de autuação. Certamente haveria aumento da informalidade. Entretanto, esse não é o caso, pois o dispositivo vetado, ao contrário do veiculado na imprensa, sequer atingiria o auditor fiscal do trabalho. Nesse sentido, a Emenda 3, longe de ferir atribuições ou fundamentos da inspeção do trabalho e intensificar o trabalho escravo, privilegiava a segurança jurídica. O projeto simplesmente consolidava garantias constitucionais, delimitando claramente o alcance e as competências de cada órgão. Não há motivo para comemorar o veto. Ele apenas revela esgotamento de nosso modelo de relações trabalhistas e a necessária reforma do direito individual do Trabalho. kicker: O veto por si não resolveu o impasse. Serviu para denunciar a grave situação das relações trabalhistas