Ministro do Trabalho: reforma? Com ele, não

09 Abr 2007
As leis trabalhistas são um dos maiores entraves ao crescimento do país. Mas a prioridade do novo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é repartir cargos Nelito Fernandes e Ronald Freitas ESPECIAIS Longe das reformas: cientista político explica por que as reformas estruturais não vão sair RADIANTE Lupi logo depois de saber da indicação para o cargo. Sua prioridade é abrir espaço para o PDT. Há três semanas, quando foi oficialmente indicado ministro do Trabalho, Carlos Lupi, do PDT, teve um encontro com o então titular da pasta, Luiz Marinho, do PT Objetivo: iniciar as negociações sobre a troca de cargos entre os dois partidos. Marinho, agora ministro da Previdência, pediu a Lupi a manutenção do economista Paul Singer na Secretaria Nacional de Economia Solidária. Disse que, como contrapartida, Lupi poderia indicar nomes para o segundo escalão do Ministério da Previdência. "O PT pode ficar com a Delegacia Regional do Trabalho em São Paulo, se o PDT levar a gerência regional do INSS de lá", diz o deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Na agenda de Lupi, praticamente só há lugar para discutir o loteamento de cargos. Não há espaço - nem interesse - para discutir uma reforma trabalhista, o projeto mais importante da área e uma condição essencial para destravar o crescimento do país. Lupi é contra a flexibilização das leis trabalhistas. Seu partido, o PDT, é ligado à Força Sindical, segunda maior central sindical do país, atrás apenas da CUT, de Luiz Marinho. O setor sindical é, tradicionalmente, o mais resistente a mudanças nessa área. "Por que a discussão tem de ser sempre para retirar direitos dos trabalhadores?", disse Lupi na cerimônia de sua posse, na semana passada. Em seguida, afirmou que a melhor saída para o problema seria fazer uma reforma tributária. "Tal atitude reflete o clima de república sindicalista em que as duas centrais adversárias repartem o governo", diz o cientista político Amaury de Souza, da consultoria MCM. "As reformas são altamente improváveis neste governo." A reforma trabalhista é uma das principais necessidades do país para estimular o crescimento econômico e tentar alcançar outros países emergentes, como Índia ou China, na corrida da globalização. Ela deveria ser uma prioridade de qualquer governo interessado em montar uma agenda de crescimento para o país. A legislação trabalhista hoje em vigor, formalmente chamada de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), foi criada por Getúlio Vargas na década de 40 do século passado. Na época, foi um avanço para um país rural, onde os direitos dos trabalhadores eram praticamente inexistentes. Hoje, a mesma legislação é um atraso. O excesso e a rigidez das leis tornam caro e difícil para as empresas contratar e demitir. Um trabalhador com carteira assinada no Brasil custa, além daquilo que recebe todo mês, o equivalente a 103% do salário em encargos trabalhistas. Tradução: para cada real pago ao empregado na forma de salário, a empresa paga outro ao governo, para cumprir esses encargos. Em termos práticos, isso significa que, se uma empresa brasileira quiser contratar alguém com salário de R$ 1.000 mensais, gastará na verdade R$ 2.030 mensais. Com esse dinheiro, o empresário poderia gerar outro emprego na mesma faixa salarial. Uma das conseqüências mais visíveis de nossas leis trabalhistas é, portanto, nossa taxa de desemprego, na casa dos 10%. Na Inglaterra, um trabalhador custa metade do que custa no Brasil. Nos Estados Unidos, dez vezes menos. Como conseqüência, o desemprego na Inglaterra é de 5,5%. Nos Estados Unidos, de 4,5%. Outro efeito perverso de nossas leis trabalhistas é a informalidade no mercado de trabalho. Cerca de 53% dos trabalhadores brasileiros não têm carteira assinada porque seus patrões não querem arcar com tanta tributação. A produtividade entre esses trabalhadores, segundo estudos, é menor. Por isso, o país cresce menos. A informalidade é também um problema para as contas nacionais. Como não recolhem impostos, mas têm direito à aposentadoria, os trabalhadores informais contribuem para aumentar o rombo da Previdência Social, de R$ 42 bilhões anuais. "O excesso de proteção a uma minoria desprotege a maioria", afirma o sociólogo José Pastore, da Universidade de São Paulo, especialista em questões trabalhistas (leia a entrevista ainda nesta edição). "Não sou corno e não tenho paixão por pessoa do mesmo sexo", disse Lupi O novo ministro do Trabalho não aceita essa realidade. Assim como o PT de Marinho, o PDT de Lupi tem bases fincadas em sindicatos com forte poder de mobilização contra a reforma. Protegidos pela legislação criada por Getúlio Vargas, eles têm arrepios ao ouvir falar no fim de benefícios como a multa rescisória do Fundo de Garantia ou em mais espaço para livre negociação entre patrões e empregados. À frente do Ministério do Trabalho, dificilmente Lupi e seus aliados atuarão contra suas crenças, por mais necessário que isso seja para o país. "O PDT não é favorável a privilégios, mas somos contra esse discurso neoliberal do Estado zero", diz o secretário-geral do partido e braço direito do ministro, Manoel Dias. "Esperamos dificuldades, mas Lupi tem jogo de cintura e vai se sair bem disso." Lupi pertence a uma espécie política em extinção. Está além apenas do varguismo. Trata-se de um brizolista ferrenho. Em 1979, ele trabalhava numa banca de jornais em Copacabana, no Rio de Janeiro, quando Brizola, recém-chegado do exílio, quis comprar o jornal gaúcho Zero Hora. Lupi não tinha. Diante da insistência de Brizola, pegou seu endereço e prometeu conseguir o jornal. Uma hora depois, apareceu com o exemplar na mão. Brizola gostou da determinação do rapaz e convidou-o para tomar um chimarrão. Disse que estava fundando um partido e desafiou o jornaleiro a conseguir correligionários com a mesma competência que teve para achar o jornal. O jornaleiro saiu de lá com dezenas de fichas de filiação ao futuro PDT em branco. Começava ali sua carreira política. Até hoje Lupi é fiel ao mentor. É impossível conversar durante 15 minutos com ele sem ouvir o nome de Brizola. "Ele era a pessoa de maior confiança de meu avô", diz o deputado Brizola Neto (PDT-RJ). "Quando estava doente, Lupi ia visitá-lo todos os dias. Os dois passavam horas conversando. Era um dos poucos com quem meu avô dividia decisões." Em duas oportunidades, o ministro deu prova dessa fidelidade. Em 1992, era secretário de Transportes de Marcello Alencar na Prefeitura do Rio, até Alencar romper com Brizola. Quando os dois se afastaram, Lupi deixou o cargo. A história se repetiria em 2000. Indicado por Brizola para ser secretário de Anthony Garotinho, esvaziou suas gavetas logo após o rompimento dos dois. "Ele tem uma fidelidade que não se vê mais na política hoje", diz o pedetista Jorge Roberto Silveira, ex-prefeito de Niterói. "Lupi poderia estar muito melhor politicamente se tivesse continuado em seus cargos. Quem brigava com Brizola brigava com ele."