Coisas que o Renascimento tem para ensinar ao século 21

23 Ago 2007
Seminário organizado por Kathrin Holzermayr Rosenfield busca analogias entre duas eras que, em princípio, parecem muito distintas EDUARDO VERAS O que um movimento de há cinco séculos pode nos ensinar sobre a vida contemporânea? O que a Europa renascentista tem a dizer sobre o mundo globalizado? O que a era dos Descobrimentos revela sobre o século 21? Um bocado, parece responder o seminário internacional Mutações do Conhecimento, que se realiza em Porto Alegre na semana que vem. Promoção da Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS, o evento sugere uma série de analogias entre o Brasil do século 21 e a Europa do Renascimento - momento decisivo na história do Ocidente, de profunda renovação cultural, filosófica, social e política, entre meados do século 14 e pelo menos a metade do 17. Mesmo que haja algum risco de anacronismo nessas aproximações, talvez valha a pena corrê-los. Problemas que se afiguram emblemáticos da nossa época quem sabe já foram abordados - e, com sorte, melhor resolvidos - pelos homens do quatroccento.- Na nossa era, parece que tudo está em vias de ficar completamente diferente. Essas mudanças nos dão a sensação de fim de mundo. Parece que é uma sensação inédita. Mas será que é mesmo? Será que já não passamos por isso antes? - provoca Kathrin Holzermayr Rosenfield, curadora do seminário Mutações do Conhecimento.Conta ela que foi a partir de um episódio doméstico, cotidiano, que se afigurou a idéia de um seminário que conjugasse os dois tempos. Kathrin reparou que um jogo eletrônico de seu filho adolescente retomava imagens, personagens e questões renascentistas:- Em um programa de computador no qual eu nem consigo entrar direito, estavam de novo aqueles velhos temas míticos de sempre.Daí a percepção:- Quanto mais as coisas mudam, mais elas ficam iguais.Austríaca de nascimento, radicada no Brasil desde os anos 1980, a professora do Departamento de Letras da UFRGS evoca sua condição de "brasileira recente" para recuperar um laço com o Brasil dos 1500, o Brasil do Descobrimento, aos tempos da experiência da Renascença. Há uma série de pontos que aproximam e repelem as duas eras. Kathrin enumera analogias. Cita uma das palestras programadas, a cargo do músico e pesquisador Fernando Mattos, professor do Departamento de Música da UFRGS:- Sempre pensamos o Renascimento ligado às grandes cortes européias. Fernando vai nos mostrar que o Renascimento não é só isso. O Renascimento também está ligado a iniciativas de coletivos, de grupos independentes, que se comparam a fenômenos de hoje.Outra parecença nessa linha se verá na palestra prometida pelo norte-americano Charles B. Duff, homem ligado ao tombamento e à preservação de prédios e áreas do centro histórico de Baltimore, nos Estados Unidos:- Ele vai mostrar como a arquitetura de Palladio (arquiteto e escultor italiano que viveu no século 16) nasceu em uma cidade (Vicenza) que não tinha príncipe nem grandes aristocratas. A região se transformou completamente por conta de uma política cultural.Uma analogia mais direta:- Porto Alegre tem uma certa riqueza cultural. Bem podia seguir esse exemplo.Especialista em Guimarães Rosa (ela ganhou no ano passado o prêmio da Biblioteca Nacional pelo livro em que analisa o percurso do autor de Grande Sertão: Veredas), Kathrin aponta vários outros pontos de contato entre o presente e a Itália de Leonardo e Michelangelo, Bruneleschi e Masaccio, Rafael e Ticiano. Muitas impressões que cultivamos hoje, que estão naturalizadas pela cultura, certas formas de olhar e apreciar a arte, certos modos de se relacionar com o universo estético, a idéia do amor apaixonado, tudo isso foi fundado no Renascimento, sem que tenhamos uma profunda consciência disso. Por outro lado, enigmas que os homens daquele momento haviam encarado de frente e decifrado assemelham-se novos e clamam por soluções na contemporaneidade. Kathrin menciona as relações entre corpo e espaço, por exemplo:- Estamos muito perdidos nas nossas cidades. Perdemos a integração corporal com os lugares que habitamos. Disso nasce o nosso centramento, a nossa maneira de ser. Ora, há uma necessidade de recentração dos nossos corpos. É preciso buscar uma racionalidade do corpo, uma lógica, um pensamento do corpo, que corremos o risco de perder.A curadora exemplifica:- Práticas medicinais alternativas, muito próximas do charlatanismo, expressam essa lógica de querer se reencontrar com as experiências estéticas. É uma nostalgia volúvel, que brinca com coisas muito sérias.Temas palpitantes feito esse, da literatura às cidades, do corpo às leis, serão debatidos no seminário da semana que entra, de terça a quinta, à tarde e à noite, no Salão de Atos da Reitoria, com preço promocional para estudantes: R$ 30 (confira mais detalhes ao lado). Kathrin H. Rosenfield: "Estamos muito perdidos nas nossas cidades. Perdemos a integração corporal com os lugares que habitamos. É preciso buscar uma racionalidade do corpo, uma lógica, um pensamento do corpo."