Opinião - Guernica tributária
Clóvis Panzarini Perplexidade, angústia e horror são alguns dos sentimentos que emanam da obra-prima de Picasso que imortaliza o massacre perpetrado pelos ´´´´nazis´´´´ na guerra civil espanhola. O desenho de nosso sistema tributário, a cada nova pincelada dos legisladores, evoca os tons sombrios daquele painel.A mudança na legislação do PIS/Cofins, por exemplo, além de turbinar escandalosamente a carga tributária, cria emaranhado de normas, algumas vezes incompreensíveis até para os agentes do Fisco, acaba com a cumulatividade em alguns setores ou regimes tributários, mas a mantém nos demais. É a ´´´´não-cumulatividade seletiva´´´´, verdadeira ´´´´jabuticaba´´´´ tributária.A recente implementação do chamado ´´´´Supersimples´´´´, complexa zombaria que aumenta a carga tributária para boa parte dos incautos, especialmente para as pequenas indústrias que caem na armadilha, e cria um imposto único, cumulativo, incidente sobre a receita bruta das empresas, é outra pincelada que torna mais tenebrosa a nossa guernica tributária.Agora, reabre-se o debate sobre a reforma do sistema tributário, cuja qualidade dos tributos, mais do que a magnitude de sua carga, sangra a competitividade do sistema produtivo.O ICMS, imposto estadual que coleta o equivalente a 7,13% do Produto Interno Bruto, ocupa o degrau mais alto no pódio desse campeonato de irracionalidades. O ICMS é um imposto do tipo valor agregado e, assim, tem natureza de tributo nacional, mas no Brasil sua competência foi outorgada aos Estados. Dessa equivocada outorga decorrem seus principais problemas, dentre eles a guerra fiscal, insegurança jurídica, acumulação de créditos, complexidade, passeio de notas fiscais entre Estados, etc.Maldades adicionais foram cometidas na implementação do nosso IVA caboclo, como a adoção do chamado ´´´´crédito físico´´´´, que permite a não-cumulatividade apenas do ICMS incidente sobre os insumos que se incorporam fisicamente ao bem produzido, bitributando os demais e, também, o cálculo ´´´´por dentro´´´´, que inclui o imposto na sua própria base, transformando a ´´´´inocente´´´´ alíquota de 25% em 33,3%, sem que o distinto público perceba o tamanho da mordida.É também digno de nota o regime de tributação interestadual do ICMS, que adota ´´´´dupla mão´´´´ de alíquotas nas relações comerciais ´´´´Norte-Sul´´´´ (Estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Espírito Santo com os demais). As operações no sentido ´´´´Norte-Sul´´´´ se submetem ao princípio de ´´´´quase origem´´´´, tributadas com a alíquota de 12%, enquanto no sentido inverso prevalece o princípio de ´´´´quase-destino´´´´, com as operações tributadas em apenas 7%.Essa outra ´´´´jabuticaba´´´´ tributária permite espertezas - para não usar termo mais forte - por parte de contribuintes que simulam destinos e também de alguns governos estaduais que, sendo destinatários de mercadorias em operações interestaduais tributadas a 7% e as devolvendo tributadas a 12%, incentivam a ciranda partilhando o butim de 5 pontos porcentuais com empresas cúmplices que, via regimes especiais, se disponham a fazer parte do alegre carrossel que passeia mercadorias, quando não, apenas a nota fiscal.É a guerra fiscal do comércio atacadista, ´´´´pirataria fiscal´´´´ que não cria empregos nem agrega valor, apenas ´´´´expropria´´´´ receita tributária.O ICMS não é, entretanto, o único vilão de nosso sistema. Toda a tributação indireta no Brasil está eivada de irracionalidades. Os tributos federais - IPI, PIS, Cofins e Cide - não podem ser considerados exemplos de eficiência e simplicidade, como também o ISS municipal que, sendo cumulativo, contamina a competitividade da produção nacional.A proposta de reforma tributária do governo federal prevê a substituição de todos esses tributos indiretos por dois IVAs - um federal e outro estadual - incidentes sobre a mesma base e com adoção de princípios mais modernos de tributação. A proposta melhoraria sensivelmente o atual sistema, mas a sua viabilização política não será tarefa trivial, pois envolve enormes conflitos distributivos e interesses regionais.